sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Momento desabafo: a morte de Gilvan em "Insensato Coração"



Ontem a novela Insensato Coração mostrou a morte por espancamento do homossexual Gilvan por uma gangue de homofóbicos. Eu não tenho acompanhado a novela por motivos óbvios, mas sabendo que essa cena iria ao ar ontem, fiz questão de assistir. Não vou nem entrar no mérito da tentativa de humanização do assassino na última cena do capítulo porque, por não ter assistido a essa novela nos últimos 4 meses, posso ter uma opinião desprovida de argumentos. Prefiro entrar no mérito da cena em si e do histórico do tratamento dado a personagens gays em telenovelas da Globo.


A cena foi absurdamente chocante. Principalmente porque foi real. Não vou, de forma alguma, criticar o teor dela porque acho mesmo que as coisas precisam ser mostradas, muitas vezes, da forma como acontecem na vida real. Ok que estamos falando de entretenimento, mas, tirando o remake de “O Astro” que é retratada com diálogos carregados de jargões clássicos de novela, atuações viscerais e trama bem folhetinesca (coisa que quem é fã do gênero aprecia), de uns anos pra cá os autores e diretores têm optado por um leitura um pouco mais perto da realidade. O que eu critico é a diferença na força com que a agressão é mostrada versus a decisão de não retratar os homossexuais vivendo vidas normais – beijando, transando, tendo trejeitos sem cair no caricato. Quando assisti, cheguei a pensar que a população poderia, finalmente, colocar a mão na consciência e refletir sobre a inversão de valores que culmina numa barbárie contra grupos de pessoas que, não custa frisar, está só vivendo a própria vida sem ferir ninguém. Mas ao ler comentários em textos publicados na internet hoje, voltei a ficar descrente de que alguma coisa de fato mude enquanto o foco for no bom-senso e não na criminalização do preconceito.


Aos 17 anos comecei a sair com um menino. Numa sexta-feira, dia em que eu ia embora da faculdade mais tarde (não tão tarde, porque pegava o último trem na Barra Funda pra voltar pra Osasco), ele me acompanhou até o metrô Sé, onde cada um iria pra um destino. Na hora de dar tchau, a gente se deu um beijo (detalhe, a gente tomou cuidado pra que ninguém visse). Foi ele virar a esquina e eu senti cuspe na minha cabeça. Eram 3 caras, aparentemente na faixa dos 30 anos, que, quando olhei pra ver, começaram a me dizer as piores coisas possíveis e a me ameaçar. A estação estava vazia, não tinha nenhum segurança e a gente iria pegar o mesmo metrô. Apertei o passo pra ir pro primeiro vagão enquanto o trem se aproximava, na esperança que eles não me alcançassem, mas eles entraram e passaram 4 estações sentados atrás de mim me fazendo morrer de medo de apanhar ali. No fim eu consegui ir pro trem (eles pararam ali mesmo) mas não sem ouvir berros de humilhação na frente (agora sim) de seguranças que nada fizeram. Nesse dia eu troquei o metrô pelo ônibus nas noites de sexta. E demorei 10 anos pra beijar alguém na rua de novo se medo. E demorei anos pra contar essa história pra alguém (a maioria dos meus amigos nem sabe) porque eu morria de vergonha.

Morando em Londres desde abril desse ano, percebi uma coisa: você pode sair na rua com cabelo verde, meia-calça rasgada, piercing em tudo quanto é canto, vestido da forma como a sua religião exige e de mão dada com quem quiser que ninguém vai te olhar. Isso significa que a população não é preconceituosa? Pelo contrário, é muitíssimo. Mas, além de estar mais acostumada, discriminação aqui é crime sério. E a punição funciona. E isso deu uma liberdade de expressão pras pessoas que, talvez no começo, até quisessem chocar. Hoje elas simplesmente não guardam o que são pras 4 paredes que acharem mais convenientes.


Não espero mundo ideal não. De todos os meus amigos héteros (a esmagadora maioria deles, na verdade), pouquíssimos já me viram ficando com alguém. Desses, pouquíssimos homens. Não é culpa deles. Meus amigos se esforçam muito pra não transparecer o desconforto que as mulheres não tem pra conversar sobre sentimentos, relações, sexo ou qualquer coisa que o valha nesse sentido. Questões culturais, enfim.

Eu já vi crianças pequenas associando namoros a sexo por conta das incansáveis cenas que elas estão acostumadas a ver nas novelas da Globo desde sempre. As mesmas que nós sempre vimos. E eu, no alto da minha ingenuidade, ainda me pergunto quando é que os veículos de informação que ditam tendência e comportamento vão finalmente tomar coragem de educar o povo quanto ao respeito pela diferença, a ponto do prefeito da maior cidade do país não precisar de uma comissão técnica analisando por duas semanas a possiblidade de veto ao absurdo que é a instituição do Dia do Orgulho Hétero, quando ele fere, pra mim, um dos princípios básicos da carreira política: garantir igualdade de direitos e melhores oportunidades pra todos os segmentos da sociedade.