domingo, 5 de dezembro de 2010

Profissão: Repórter (e humano)


Eu sou do tipo que sempre achou telejornal um puta pé no saco. Pode me chamar de alienado, mas me incomoda a atitude sisuda e a quantidade absurda de sangue que escorre todos os dias (e nem preciso falar de “Cidade Alerta” quando o próprio “Jornal Nacional” não escapa muito disso). Enfim, mas eu assisto, preciso me informar, sou um cidadão, aquela coisa toda… Mas, de verdade, sempre fui fã (numa proporcionalidade inversa) de documentários ou programas jornalísticos como o “Globo Repórter” e até mesmo o “Fantástico” que, com a veia de entretenimento, deixa o formato mais “humano”, ainda que os assuntos não sejam todos leves. Calma! Quem odeia o “Fantástico” pode continuar lendo que eu já parei!

Tudo isso pra chegar no “Profissão Repórter”, que tem o melhor formato que eu já vi pra esse tipo de programa. Sob o comando do incrível Caco Barcellos, ele não só humaniza o conteúdo como humaniza a figura do jornalista, mostrando todo o processo para se chegar à notícia e o comprometimento alinhado à uma certa distância para que a matéria fique completa e imparcial, como ela precisa de fato ser, mas sem perder o apelo de tocar as pessoas pros problemas da sociedade.


O programa dessa semana foi sobre um grupo de pessoas que mora num prédio invadido, um antigo hotel de luxo no centro de São Paulo que foi desativado há 5 anos por conta da impossibilidade de se fazer uma reforma e se manter seu aluguel com a desvalorização da região, hoje propriedade de uma construtora que nunca fez nada com o imóvel.

O grupo conta com mais de mil pessoas entre homens, mulheres, crianças, idosos e recém-nascidos. E muito diferente do que um “Ensaio sobre a Cegueira” que poderíamos imaginar – enquanto proprietários das nossas próprias casas ou em condições de pagar por um aluguel decente –, esse grupo é formado por pessoas trabalhadoras e solidárias. Há regra pra tudo dentro do prédio, desde um controle de quem entra e quem sai até a carreata para busca de doação de alimentos no Mercado Municipal diariamente às 4h da manhã. E cada um contribui pro coletivo como pode: um grupo de mulheres cozinha cerca de 30kg de arroz por dia em panelões doados, quem entende de encanamento e eletricidade tenta dar o mínimo de estrutura aos cômodos (usados como casas pra famílias inteiras, onde um colchão é compartilhado por até 3 membros), mães levam as crianças pra uma mesma creche e até quem não tem dinheiro para pegar um ônibus e fazer uma entrevista do outro lado da cidade consegue ajuda dentro de “casa”.


Esse é outro ponto mega complicado: as chances de alguém sem endereço fixo (ainda mais quando menciona tratar-se de uma ocupação) conseguir um emprego fixo é minúscula. O programa ainda mostrou a emoção de uma mulher que conseguiu seu primeiro registro em carteira e mostrou sua preocupação quando precisou faltar por 2 dias quando o prédio foi desalojado e ela não tinha com quem deixar seu filho, que passou a morar com ela na rua a partir desse dia.

A desocupação foi a parte mais triste de tudo. Ainda que prevista desde o momento em que entraram, a falta de perspectiva dessas pessoas é realmente desesperadora. E o mais impressionante é que nem Tropa de Choque (sim, eles mesmos) ou o isolamento da área (e a humilhação pública) revoltaram essas pessoas a ponto de perderem o pouco que conseguiram construir ali: um mínimo de consciência solidária, de companheirismo e dignidade, mostrados numa passeata pacífica sem violência, mas contundente (ainda que invisível pra quem mora na região ou assiste a telejornais convencionais). E pra fechar, o conselho de uma das senhoras mais idosas do grupo a uma mãe aflita: “A gente é forte, a gente chega lá”.


O programa acaba como uma matéria imparcial como deve ser, mas tendo mexido e muito com os profissionais responsáveis por ela. Semanalmente a gente observa o quanto é intensa essa experiência pra esses repórteres e, ainda que eles não possam resolver o problema, essa vitrine humana mobiliza e serve de inspiração pra quem assiste, seja qual for o tema.

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